top of page

Justificativa

Em 2008, o banco de investimentos Lehman Brothers, sediado em Nova Iorque, entrou em concordata. Um “efeito dominó” levou à insolvência de várias outras instituições financeiras e empresas. Desemprego e recessão se aventaram. Na ordem do dia, aflorando, por um lado o endividamento de diversos países e, por outro, demonstrando que uma bolha econômica fantasiosa havia sido estourada, a globalização financeira convocou os Estados a socorrer o sistema econômico colocando em xeque os sistemas de proteção social. Em 2020, o mundo convive abismado com a pandemia do Coronavírus, o que coloca na ordem do dia, o legado de mortes, guerras, escombros, injustiças sociais e violências manietados historicamente pelo neoliberalismo, pela austeridade econômica, pela dramática e vergonhosa concentração de renda,  de terra, de imóveis e, agora, de alimentos, álcool gel, papel higiênico, água. E, apesar de interconectados, de vivermos em um planeta globalizado pela extensão do capital, não estamos no mesmo barco. Cortes na educação, saúde, sistemas de previdência, demissões em massa e congelamento de salários foram medidas levadas a termo. Este é um exemplo do resultado da irresponsabilidade simplificadora e mecanicista com que se tem tratado questões da ordem da interconexão, interdependência, interretroações. A planetarização tem exposto uma severa crise em que o humano ainda não se tornou humano e prossegue numa menoridade, marca, por um lado, da arrogância europeia a acreditar serem eles, os europeus, o continente eleito por Deus e, por outro lado, símbolo de ação infantilizada em que meninos omissos e birrentos apostam, compram e vendem vidas como objetos nas bolsas de valores. Egocentrados demais para lidar com o direito maduro de julgar, não percebem o avanço da retórica política da extrema-direita em todo o mundo e nem a necessidade óbvia de lidar com problemas sanitários de acordo com o estabelecido por autoridades no tema. Discursos políticos permeados pelo ódio, pelo achismo, pelo capital financeiro, diariamente exalam populismo, xenofobia, misoginia, homofobia e racimo. A barbárie, o discurso dissimulado e a hipocrisia nos constrangem, envergonham e violentam, fazendo rodopiar em nossas mentes questões que não cessam de gritar: Como sairemos das crises da atualidade? Quem mandou matou Marielle e Anderson? A Covid-19 é apenas uma gripezinha?Necessitamos de outras epistemologias para lidar com os desafios postos, para mudar perspectivas, expandir possibilidades imaginárias e rearticular a forma como lidamos com o Mundo, num viés promotor da libertação de toda uma herança colonizadora autoritária. A razão burguesa e a Modernidade não nos legam respostas que não sejam excludentes e segregacionistas, que não se transformem em ferramentas para a consolidação de seus projetos políticos e econômicos. Depois de Auschwitz, Hiroxima e Estalin, depois dos questionamentos das feministas pretas, das reflexões decoloniais, dos Estudos Queer e Decoloniais, como prosseguir privilegiando saberes e sujeitos racistas e sexistas, conhecimentos manchados por incursões, genocídios, submissão e achaques e roubos? Não é um disparate, não é ilógico que economistas, políticos e instituições manipuladas por Wall Street, Londres e Frankfurt insistam em reinar de maneira ainda mais imperial do que antes dos desastres que não souberam prever e só constataram depois, como todo mundo? É responsável a ação do primeiro ministro britânico ao não isolar rapidamente seu país, e nos dizendo que bastava lavar as mãos cantando duas ou três vezes “Happy Birthday”? O pensamento europeu, cujas raízes remontam a “Atenas” e “Jerusalém” se seguirmos Martin Heidegger e Emanuel Levinas, a sanha esquizofrênica a dizer-nos que só é possível filosofar em alemão, deve dar lugar a uma diversalidade radical, ou seja, ao invés de um pensamento carcomido e mofado, mentiroso, cego e infantil, que arrota universalidade, importa a justiça cognitiva, a pluralidade de pensamentos, uma ecologia dos saberes, negra, indígena, aberta a reconhecer a pluriversalidade ética e epistêmica no mundo, deslocando nosso olhar para uma crítica severa ao projeto de civilização europeia e a partir de outra perspectiva elaborar epistemologias para a próxima revolução, num movimento ético-político que se tece como conhecimento contra hegemônico.

Metodologia 

Movida pelo Giro Decolonial, a metodologia deste curso pretende ler radicalmente textos que problematizam saberes historicamente silenciados. Contudo, não se trata de ler e discutir buscando uma “síntese”, marcados pela dialética – tese / antítese –, não se trata de ler algo “sobre” os terreiros, mas “com” os terreiros. Não é uma agência “sobre” os indígenas, mas “com” os indígenas. A ideia é que, ao longo dos encontros evitemos leituras egocentradas e narcísicas que partam de um lócus de enunciação eurocentrado, branco, militarista, sexista, capitalista, cisheteronormativo, judaico-cristão, e busquemos conviver com a agonia do deslocamento e da alteridade. Trata-se de metodologia inovadora, aberta a uma repetição produtora e não reprodutora, intérprete e não comentadora, rizomática, desconstrutiva, interpelada por uma multidão de modalidades de alteridades de sentidos. Os textos elencados, nesse aspecto, não serão lidos como quem decifra códigos e junta signos, mas como quem cria algo supostamente novo e, sobretudo, coloca a gramática da colonialidade no centro do debate com vistas a decolonizar mentalidades. O curso contará com 14 encontros, às quartas e quintas-feiras, via web, das 16:00 às 19:00, iniciando-se em 15 de abril de 2020. Os textos e ou vídeos  utilizados para discussão em cada encontro, serão disponibilizados anteriormente, no sítio eletrônico,  https://epistemologiaifba.wixsite.com/formacaocontinuada.  A cada encontro dois textos serão discutidos, os quais atravessarão as seguintes temáticas: lugar de fala; racismo e sexismo epistêmico na universidade; gênero; pensamento crítico desde a subalternidade; branquitude e negritude; saberes localizados; processos de representação; eurocentrismo e alteridade; saberes indígenas e negro diaspóricos. A leitura empenhada buscará uma genealogia de pensamento que não esteja mais fundamentada no pensamento eurodescendente, mas que possa trazer à tona experiências e recorrer a outras categorias e discursos explicativos acerca do mundo.

Resultados Esperados

Espera-se que os participantes do curso possam promover em si, subjetividades fortes e críticas. Para além do sequestro de si, tão exemplificado no modo como x sujeitx colonizadx torna-se alienadx, submetidx ao racismo, às estereotipias de gênero e a um complexo de inferioridade, que ao fim e ao cabo, despersonaliza-x, torna-x objeto do capitalismo e do consumismo, e lhe incute discursos capazes de manietar e justificar violências e agressões de toda ordem, espera-se que, ao lidarmos com 30 professorxs, gestorxs da Educação do extremo sul da Bahia, suas práticas sejam arejadas, renovadas de uma esperança e ação decolonizadoras. 

Espera-se que os resultados obtidos com esse curso se disseminem nas escolas alcançadas pelos cursistas, transformando representações de negrxs e indígenas; descolonizando mentalidades, ou seja, para além de lidar com conteúdos, habilidades e competências, aliadxs a uma estratégia/ação/sentimento decolonial, que possam colaborar para decolonizar subjetividades. 

Espera-se que fomentem outras epistemes, capazes de contrariar, deslocar, constranger, rasurar o falocentrismo, o etnocentrismo e colaborem para pensar formas novas de lidar com o corpo, com a sexualidade, com os pré-conceitos que nos circundam e nos constroem. 

bottom of page